sexta-feira, 14 de maio de 2010

INTRODUÇÃO
"O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto no final da frase..."
Manoel de Barros


A partir dos versos acima, extraídos da poesia intitulada O menino que carregava água na peneira, do autor Manoel de Barros, a qual consta no livro Exercícios de ser Criança, "a criança" aprende a usar as palavras, fazendo "peraltagens". Esse é um verbete pouco usado, sendo utilizada, corriqueiramente, a palavra peraltice, a qual tem como acepções travessura, traquinagem, estripulia.
Este menino de Manoel de Barros brinca com as palavras, atribuindo-lhes elasticidade de sentidos, rompendo, assim, sua arbitrariedade. Ele aprende a usá-las, mas também a transgredi-las. Dessa forma, ler um texto literário é ler o registro da comunicação verbal, na qual as palavras assumem uma extensão de significados. Essa é uma maneira de ler o mundo. Um modo importante, o qual traz troca, alarga horizontes e permite a constante ampliação dos níveis de consciência humana, além de abrir espaços para várias outras leituras.
Porém, a vida oferece todos os dias, uma variedade de cores, formas, movimentos e significados. O olhar curioso humano observa os detalhes, as diferenças, as mudanças, o permanente, o novo, atribuindo-lhe significados pessoais. O desenvolvimento dessa prática, "educa" o olhar, estimulando o ser humano a ver e ler além das aparências e, assim, perceber a essência das coisas e fatos que o rodeiam.
Segundo Eva Furnari (2002), "pode-se usar a palavra leitura em um sentido menos comum, significando leitura visual. Essa é uma outra maneira de ler o mundo, não decifrando letras, mas imagens".
A leitura de uma narrativa visual conta, mostra, expõe, expressa, quase simultaneamente, de modo a criar combinações imagéticas no leitor infantil, instigando a sua imaginação, sensibilidade, quiçá reflexões existenciais.
Diante de tal percepção, é imprescindível se trabalhar a linguagem visual com as crianças cuja experiência de leitura está em construção.
Mas será que as narrativas visuais são capazes de potencializar o desenvolvimento crítico e cognitivo da criança? Esse foi o principal questionamento que norteou essa pesquisa.
O leitor não só é capaz de decodificar, mas ir além, ou seja, interagir com as imagens que compõe o texto, experenciando o ato de ler como uma aprendizagem dinâmica, lúdica, podendo compreender, relacionar, intervir, recriar...
Se o ato de ler é a interação do leitor/texto/autor, faz-se necessário que a criança frente ao texto visual, envolva-se inteiramente, a fim de que seja capaz de interagir, e, conseqüentemente, compreender o que foi vivenciado por ela. Dessa forma, o leitor infantil aprende a ler as suas atitudes nos olhos dos outros, e, com isso, o caminho do autoconhecimento se torna menos íngreme e penoso.
Vale, ainda, ressaltar que a práxis desse tipo de leitura visual deve ser mediada, pois através da mediação, a criança vivencia as várias partes que formam o todo, como também o todo de uma parte, ou seja, as seqüências de imagens que constituem toda a narrativa, assim como a leitura de cada imagem, a qual forma um todo individual, contribuindo, dessa forma, para a construção de significados diversos, a partir do olhar singular de cada leitor.
A leitura só é prazerosa, caso seja um exercício de liberdade, um ato de ousadia, um olhar perspicaz pelo conteúdo, podendo seguir o curso da curiosidade peculiar de cada olhar.
A relação da leitura através da mediação, empregada aos textos narrativos infantis e visuais, delimita o foco determinante dessa abordagem mediada que foi proposta a nove crianças. A práxis experimental da leitura de quatro narrativas, sendo três essencialmente de imagens e uma que apresenta o código verbal, porém este código não foi explorado, apenas as imagens mais a minha interação com esses nove alunos foram a diretriz essencial, a fim de alcançar uma possível resposta para o questionamento suscitado inicialmente.
Foi fundamental ressaltar que, para delimitar esse foco, a princípio, realizei uma abrangência relevante sobre o ato de ler, afinal, é a partir dele que toda essa experiência ocorreu. Desse modo, o primeiro capítulo foi fundamentado na tríade leitura/leitor/texto visual.
Sendo assim, a leitura exerceu um caráter perturbador, pois essa atividade se ateve à compreensão e construção de significados, a partir do olhar peculiar de cada criança mediada por mim, em relação aos textos de imagens sugeridos.
A linguagem é um recurso de comunicação próprio do ser humano, o qual evoluiu desde sua forma primitiva até a possibilidade de ler e escrever. O homem só é considerado verbalmente alfabetizado, desde que lance mão dos componentes básicos da linguagem escrita como as letras, palavras, frases, totalmente inter-relacionadas.
Em se tratando de uma pesquisa de textos de imagens, foi imprescindível o estudo dos componentes visuais, os quais constituem a sintaxe da linguagem visual, como também a semântica da linguagem visual, uma vez que cada texto de imagem suscita variados e diferentes olhares. Esses conteúdos foram tratados no segundo capítulo dessa pesquisa, juntamente com as narrativas de imagens trabalhadas nesse estudo.
A pesquisa, que foi desenvolvida, entrelaçou, no terceiro capítulo, os pressupostos teóricos que embasaram esse estudo com a práxis mediada e as nove crianças, as quais participaram ativamente desse estudo. Houve, também nesse momento, o detalhamento das oficinas aplicadas com os quatro textos visuais selecionados. Convém salientar que a compreensão das narrativas mediadas, delinearam explicitamente, a interação entre os leitores, textos de imagens e mediador, promovendo, assim, o intercâmbio e respeito de opiniões diante ao olhar subjetivo e próprio de cada criança.
A conexão entre o leitor adulto e o leitor em formação, através da mediação com textos de imagens, potencializou, efetivamente, o processo da leitura. Daí a relevância dessa pesquisa, que contempla a emergência de transformações afetivas e cognitivas no indivíduo.
Pelo grau de complexidade das variáveis do olhar, existentes nesse estudo, em se tratando da leitura de textos imagéticos, não se pode chegar a verdades conclusivas sobre o tema pesquisado. Talvez, uma das possíveis contribuições dessa pesquisa, nesse último momento, (considerações finais), tenha sido a possibilidade de abrir o diálogo sobre o assunto suscitado sob um novo olhar. Certamente, esse olhar não foi definitivo. Contudo, apenas mais um.

Nenhum comentário: